quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Sobre tempo, vida, morte...

Foi-me pedido para falar sobre o tempo, a vida, a morte...
Escreveria talvez um tratado, um calhamaço de páginas a respeito, que somente um louco se daria ao trabalho de ler, e mesmo assim não conseguiria esgotar o tema.
Simplesmente porque é um mistério, grande como o universo.
E os mistérios que são explicáveis deixam de sê-lo, o que não é exatamente o caso dessas três palavras, curtas, mas de um significado e abrangência bastante profundas...

tempo

De fato, o tempo em sua essência não tem início e, consideradas as perspectivas, também não terá fim. Usamos a nossa existência e a de outras pessoas como parâmetros, mas somente para que seja satisfeita uma necessidade nossa, uma sede de conhecimento. Para que não enlouqueçamos.
É verdade que temos um “prazo de validade”. Nascemos num determinado momento e morreremos em outro. A esse intervalo conceituamos como “vida”. Para nos ajudar a entender esse processo classificamos esse período em anos, meses, dias, horas etc.
Pelo armazenamento que fizeram os que nos precederam sabemos nos situar no espaço — num determinado local (cidade, Estado, País, continente, planeta...) — e no tempo — dia, mês, ano, século, milênio...

vida e morte

Mas, a questão fundamental não é essa! A pergunta que se esconde por trás disso tudo é mais profunda, existencial e, por isso mesmo, terrível.
Na verdade procuramos resposta para o que fazemos neste mundo. Não existíamos e, de repente, aparecemos. Ficaremos por aqui alguns dias, meses, anos e depois voltaremos a “não existir”.
Poderíamos entender “vida” como sendo o intervalo entre o “aparecer” e o “desaparecer”. Parece simples, mas o processo todo nos leva a questionar a nossa presença no mundo.
Num determinado momento começam os “por quês?" que chegam em razão da curiosidade natural, e nos conduzem a questões mais profundas até esbarrarem na ausência da resposta crucial.
Geralmente na adolescência os “por quês” costumam aparecer e nos transformam em “aborrecentes” frente aos pais e demais adultos, porque eles não têm as respostas. Aliás, passado o seu “tempo”, eles mesmos deixaram de se questionar e também aos adultos de sua época.
De que perguntas, enfim, se trata?
Simples: de onde viemos? E para onde vamos?

...

Como somos todos neuróticos, frente a essas indagações temos somente duas opções, não mais que isso.
Ou nos alienamos e deixamos de lado tais questionamentos e, ao nos depararmos com a solidão — que é inevitável, queiramos ou não ela chega um dia — nos ocupamos em “matar o tempo”, simplesmente “indo em frente”. E vivemos numa espécie de “loop”: acordar, café da manhã, estudar/trabalhar, almoço, estudar/trabalhar, lazer, jantar, dormir; acordar, café...
Ou então buscamos sem cessar uma resposta satisfatória para essa questão angustiante indagando a nós mesmos, a quem julgarmos mais sábios que nós, aos “Googles” que encontrarmos em nossa caminhada.
Até dar de encontro com a constatação de que não existe alguém com a resposta acertada, aquela que enfim nos satisfaça e nos leve a entender o que de fato fazemos neste mundo.

Até lá, se tivermos fôlego, veremos que problema surge, se instala e nos encaminha à depressão quando alcançamos — se alcançamos! — essa perseguida resposta.

eternidade

Porque concluímos atônitos que, em verdade, somos seres que caminham para a morte, para o “não existir”.
Acredito que tenha brotado no raciocínio de alguém que chegou a essa resposta o sábio pensamento de que “a morte é a única certeza que temos”.
Um dia — que não sabemos exatamente quando — iremos para o cemitério. Nada do que nos esforçamos em fazer irá conosco. Seguiremos sozinhos para um lugar (?) que não conhecemos e, justamente por isso, nos amedronta. E acabamos com um novo problema nas mãos. Ou na mente!

Se antes nos angustiava não ter resposta satisfatória, agora que a temos nossa angústia não diminuiu, pelo contrário...

Afinal, a eternidade é algo de muito bonito mas também muito vago. O processo todo de nossa vida nos fez acreditar que a realidade palpável incluía tempo e espaço, mas quando se fala de eternidade esses conceitos desaparecem, porque não fazem mais sentido.
E isso é como se nos faltasse o chão sob os pés, nos faz ainda menores do que nos víamos quando não alcançávamos as respostas que procurávamos.

É nesse momento que vemos mudar o foco de nossa busca, fazem-se necessários novos horizontes, uma nova perspectiva. Que antes não havia...




Mas, isso é assunto para outra oportunidade...

sexta-feira, 6 de junho de 2014

Eu e o futebol (2)

       O resultado do primeiro jogo da decisão do título paraense de futebol acabou por premiar quem levou a sério a competição e colocou em evidência as limitações de cada time, bem como o que se fez para tirar o melhor proveito dessa situação.
       Ficou claro, para quem olhou o jogo sem a parcialidade de torcedor, que o time azulino vinha apresentando significativa melhora desde as finais da Copa Verde, quando foi eliminado pelo rival após uma sequência de derrota e empate.
       A questão é que o esquadrão bicolor não assimilou o que aconteceu naquelas duas partidas e deu seguimento à jornada que tinha pela frente: campeonato paraense, Copa do Brasil e as finais da Copa Verde. Sempre jogando o mesmo “feijão com arroz”, sem se dar conta de que os adversários seguintes certamente tratariam de anular seus pontos fortes e insistir nas suas fraquezas.
       Deu no que deu: a partida final contra o Brasília deixou escancaradas as deficiências do time, sem um elemento que servisse de ponto de referência no meio de campo e fragilidades defensivas e ofensivas. Alguém tratou de mudar as coisas? Não! Os treinamentos específicos — se é que houve — não adiantaram nada, tudo permaneceu como dantes.
      
       Já o maior rival seguiu caminho diferente e, depois de precisar se desdobrar para não ficar fora das finais do returno, tentou traduzir em resultados a sua superioridade técnica. Só não enxergava esse fato quem continuou a se enganar, acreditando que jogos se ganham de véspera.
       No primeiro duelo o bicolor abriu dois gols de vantagem e não soube segurar. Por muito pouco não levou a virada e deu um suspiro quando o juiz deu por encerrada a peleja. Reclamações à parte, o que faltou foi competência para administrar um resultado favorável. Culpa de uma equipe que não possui jogador que cadenciasse a partida quando esta se mostrava à sua feição.
       Veio o segundo jogo e a superioridade azulina voltou a se apresentar claramente. Bem mais objetivos, davam as cartas e partiam para cima de uma defesa bicolor completamente atarantada, perdida em campo. Deu sorte de nas substituições ganhar o fôlego de que necessitava. Por outro lado, o adversário resolveu contribuir e fez mudanças típicas de quem se acovarda.
       O empate conseguido no minuto final deu a falsa impressão de que os dois times estavam equiparados técnica e taticamente. Mas a pressão final do time azul e branco só aconteceu porque o outro lado colaborou e recuou demasiadamente. Mas, enquanto tratou de apenas jogar futebol, foi sempre superior e manteve o rival sob tensão e até acuado em seu setor defensivo. Ou seja, faltou-lhe ousadia para vencer.

       No jogo que abriu a decisão — ou que decidiu, porque os azulinos ganharam uma vantagem enorme — aconteceu a surpresa para a qual o time bicolor não se preparara. Da mesma forma como na peleja anterior fora sua a garra e a disposição para ir em busca do resultado, dessa vez o remédio estava sendo aplicado pelo rival.
       Desde o começo partiu para cima e, embora contido no início, não tardou a se assenhorear das ações e fazer o que fizera no jogo anterior: mandou na partida, encurralando o time adversário, que não conseguia se acertar. Tomou um gol — contra, ainda por cima — e se livrou de levar outros.
       Ao começar a segunda etapa, quando pensava em ir para cima levou o segundo gol. Esteve por levar outros quando ‘achou’ um gol que parecia ser o da recuperação. Foi pura ilusão, pois o rival continuou mandando em campo e acabou marcando o terceiro e arrefecendo o entusiasmo bicolor, que parecia, na metade do segundo tempo, inapelavelmente batido.
       O quarto gol foi apenas protocolar, sacramentando o que todos os que viram o jogo — ao vivo, no estádio, ou pela TV — puderam comprovar. De um lado uma equipe que se superava, que desejava mais que tudo aquela vitória, e de outro um bando de jogadores perdidos, técnica e taticamente abandonados.
       Foi uma lição a ser aprendida. Muito dura, é verdade, mas somente com lições assim é possível dar uma remexida e ir em busca do que está errado. E tem muita coisa errada, a começar pela comissão técnica, que fala mais do que produz resultados eficazes. Não foi um jogador, foi o time todo; não foi uma derrota qualquer, foi uma decisão.

       Oxalá haja tempo de recolocar as coisas no eixo e obter resultados positivos lá mais à frente. Na competição que lhe ocupará o segundo semestre.

       Oxalá!
Junho 2014.

Página virada

      As mudanças provocam tensão, às vezes geram conflitos, mas são sempre necessárias para que a vida siga o seu curso.
      Algumas permitem despedidas, momentos que tocam o coração e sentimentos de quem os têm. Noutras ocasiões são abruptas e deixam uma sensação de vazio que temos dificuldade para preencher e nos fazem imaginar que nos falta o chão sob os pés.
      Diante de momentos assim eu consigo compreender o desapego que Jesus exige de quem dele se aproxima — “Quem não odeia pai, mãe, irmãos e a própria vida não é digno de mim”. É preciso estar preparado para os rompimentos, mesmo que as aparências provoquem a ilusão de que tudo seja sólido, firme, inarredável.
      Isso em relação a tudo — pessoas, coisas e situações — pois tudo nesta vida é transitório, uma vez que caminhamos em direção à eternidade, para onde não levaremos nada deste mundo.

      A introdução acima serve para uma porção de coisas, mas a preparei para registrar o final de uma missão que me fora confiada pela paróquia de Nazaré em meados da década passada: os comentários e reflexões para a Missa do Dizimista, celebrada a cada segundo domingo de cada mês (à exceção de outubro, por causa do Círio, vivida no primeiro domingo).
      Desde 2006, creio eu, foram muitos os momentos de aflição para entregar os textos em tempo hábil. Tomar as leituras, preparar os comentários que seriam lidos ou serviriam de base para uso dos comentaristas de cada missa. E havia ainda uma reflexão procurando “encaixar” as leituras — geralmente o Evangelho — com o Dízimo e alguma comemoração naquele mês — dia das mães, dos pais, algum santo...
      Digo ‘momentos de aflição’ pois não bastava ter todo o material à mão para que surgisse um texto que fosse ao mesmo tempo conciso e capaz de levar a quem porventura viesse a ler a uma verdadeira reflexão, a ponderar os argumentos apresentados. Pois eu dispunha dos elementos para que surgisse o trabalho desejado, mas este é dom de Deus, que pode acontecer, ou não!
      Daí a minha preocupação: naquele conjunto de palavras e frases estava de fato a mensagem? Deus gostaria que as pessoas a lessem?
      Nessa tarefa muito me ajudou a ‘dona Goretti’, minha esposa e crítica da maioria dos textos que encaminhei à Pastoral do Dízimo (PD) nesses quase dez anos ininterruptos. A grande maioria dos arquivos que enviei à PD passou primeiro pelo “crivo” de “minha auxiliar”, que assim colaborava para que cada trabalho fosse uma forma de evangelizar quem o recebesse.
     
      Registro isso no dia em que, num final de maio, recebo a minha “demissão”, colocando um ponto final nesse trabalho que me ocupou durante esse tempo todo e me ajudou a manter contato com a liturgia dominical, mês após mês, me levando a uma reinvenção contínua, para que, ao enviar os textos para a PD, o fizesse com a sensação de “dever cumprido”.
      Foi um tempo interessante, pois me valia dessa tarefa para que, antes de qualquer outra pessoa, pudesse eu refletir sobre a temática que estaria sendo abordada no impresso que circularia nas missas daquele mês na paróquia. O que fazia de mim o privilegiado primeiro beneficiado do que havia escrito.
     
      Vira-se uma página, mas a vida prossegue adiante, seguindo seu trajeto inexorável. Valeu — e muito — tudo o que gastei para produzir cada um dos folhetos que a PD fez chegar aos fiéis na paróquia.
      Outros caminhos serão percorridos, bem o sei. Espero que quem dê continuidade ao trabalho o faça com o mesmo zelo (ou até maior!) e também saiba aproveitar dele como eu pude fazê-lo.

      Hoje é ocasião de despedida.
      E, como diria um amigo: até de repente!

Maio/Junho de 2014.

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Crônica de uma noite de abril


O frio da noite lá fora traz lembranças que se misturam com o vento que passa pela janela entreaberta e ambos fazem o pensamento viajar ao passado, deixando no ar uma sensação que lhe parecia desaparecida para sempre.
Recorda que sentia esse vento frio no rosto de frente para o mar e o ar gelado lhe proporcionava uma dor fina que ia aos poucos desaparecendo para dar lugar a um estado de paz que lhe fazia falta em outras ocasiões do dia.
Ele volta a sentir saudade dos instantes em que experimentava essa passagem da dor ao prazer e que eram tão intensos — tanto uma como o outro — que não conseguia distinguir quando havia a mudança, o que lhe provocava conflitos que demorou bastante a administrar de modo a bem usufruir desses momentos.
O silêncio contribui para que a imaginação crie asas e procure, dentre os muitos arquivos da memória, aqueles que mais deixaram marcas, sobretudo aquelas que, mesmo indeléveis, não permaneceram visíveis e o tempo se encarregou de encarcerar dentro de si.
Fecha os olhos para que as imagens se formem mais rapidamente e ocupem o espaço deixado pelo tempo de ausência e assim possa alcançá-las, criando a ilusão de poderem voltar a acontecer.
Procura recordar detalhes que deixou escapar quando essas imagens foram um tempo real — objetos quaisquer, sons que se fizeram ouvir em surdina... Mas o que ganha corpo mesmo são as impressões que lhe percorreram a pele e o simples evocá-las as traz de volta como se nunca houvessem se perdido no passado que agora retorna e se faz presente...

É como um sonho desses que nos transportam para uma dimensão diferente cheia de beleza e longe das agruras da realidade que acontece para além da janela.
E como num sonho é possível olhar para o que se foi como se estivesse ocorrendo outra vez, agora nos tendo também como espectadores além de participantes.
Apesar de estranharmos a princípio, logo se torna natural essa nossa intervenção e nos posicionamos como analisadores de nosso próprio procedimento.
Não se pensa em como ficarão as coisas quando esse instante também passar e tudo se perder no vazio da noite que tampouco permanecerá.
Tudo se faz agora, os limites que nos são impostos pela realidade desaparecem e nos encontramos livres, ainda que não saibamos o que fazer com essa liberdade inesperada e passadiça.
Percebemos que podemos voar e então o fazemos como se sempre o tivéssemos feito; e vamos pela noite adentro em busca de uma saciedade que não temos ideia de como realizá-la. Olhamos as coisas de um ângulo novo e tudo nos parece belo e bom, as pessoas que encontramos são todas elas belas e puras, não existe o mal, o mundo perde sua carga de violência e de maldade; há somente um sol brilhante, um céu azul, nuvens, flores...
A magia do sonho nos transporta por sobre tudo e nos deixamos conduzir como se soubéssemos intrinsecamente que não cairemos em quaisquer armadilhas, pois aqui não há lugar para estas.

Pouco a pouco a respiração volta ao normal, o calor começa a ocupar o espaço onde o corpo se encontra sentado à poltrona e os olhos se abrem vagarosamente para reconhecer a sala do apartamento.
A penumbra quase não é percebida, embora as imagens no pensamento ainda sejam a recordação da luminosidade que experimentava há pouco no sonho.
Ergue-se devagar e vai à janela entreaberta, conferindo a brisa leve que lhe beija a face onde algumas rugas se formam quando ali nasce um sorriso tímido.
Fecha de vez a janela e segue para o quarto. Ao amanhecer precisará estar de pé e disposto a enfrentar outra semana de trabalho árduo e entediante.
Mas percebe que o fará de modo diferente, mesmo sendo a mesma rotina de antes daquela noite, tudo tão igual aos demais dias, desde um tempo que nem recorda mais quando foi a última vez que agiu diferentemente.
Ele não sabe exatamente o motivo, mas sente que ganhou um ânimo novo para prosseguir a jornada vital. Da qual estava disposto a abrir mão ao final daquela tarde de abril — e sorri novamente, em silêncio, enquanto seus passos o conduzem à cama que o aguarda para um sono que, espera ele, o leve a um despertar sereno.

Ou não...



Abril 2014

terça-feira, 1 de abril de 2014

em trânsito


Li por esses dias um comentário no jornal sobre o comportamento do típico condutor de veículos — a quem chamamos motorista. E fiquei imaginando a possibilidade de arrancar disso um texto novo para os meus seis ou sete leitores.
Além de ter amigos que vez por outra comentam ‘causos’, eu próprio experimento as agruras de dirigir nesta capital, indo e vindo, de casa para o trabalho, do trabalho para casa; isso fora as celebrações, os passeios e outras necessidades na área.
Assuntos houve que se sobrepuseram e acabei deixando passar a oportunidade. Até agora, quando me vi sem o que publicar depois de manifestar minha opinião sobre dois pontos que me cobravam a palavra.

Lembrei de minha filha com sua “Crônica da Meia-passagem” e, com menor charme e competência me peguei anotando no caderno, na sacada do apartamento, aproveitando o silêncio da noite meio fria e antes que chegasse o sono natural de quem chegou aos sessenta e ficou acordado o dia inteiro...

Saio de caso por volta de 7h30 e, no primeiro cruzamento já me vejo atrás de mais de uma dezena de carros à espera de sinal para avançar. O rádio está desligado, pois sofri uma pane de bateria — que foi trocada — e o aparelho pede uma senha que não encontro em lugar algum.
As buzinas ecoam atrás de mim imediatamente ao surgir a luz verde liberando a pista. Exercito um pouco a paciência e sigo em frente sem xingar ninguém.
Mais adiante, depois de uns quinhentos semáforos, o primeiro congestionamento, em frente a uma universidade. Mais buzinaço, gente me cortando a dianteira sem sequer sinalizar, mas o clima ainda não me contagiou. Sigo à direita e encontro o segundo momento de conduzir o carro mais devagar.
São dois os semáforos até a segunda esquina, onde viro à esquerda e passo para o terceiro congestionamento, mais um neste início de manhã.

Chego a mais um cruzamento, viro à direita e sigo uma reta até o próximo engarrafamento. A sequência de buzinas começa a incomodar quando paro antes da faixa diante de um sinal verde, para não obstruir o trânsito e quem está atrás quer seguir adiante, não importam as consequências.
Chega aos lábios um xingamento — “Compra uma rua pra ti!” — mas ainda é cedo, é possível prosseguir sem me deixar levar pelo mau humor.

Uma subida e ao final um apressado corta pela direita e quase é abalroado por alguém que não lhe dá passagem. Diminuo ainda mais a velocidade para não ser atingido pelo imprudente. Sinto o impulso de também impedir seu avanço, mas acabo permitindo que me ultrapasse, mesmo estando no lado errado e o vejo cruzar a esquina e seguir já na parte que é só descida.
Na esquina seguinte freio novamente e deixo que um veículo a cruze antes de mim, cedendo a mais um buzinaço. Deve estar com mais pressa que eu, certamente. Talvez vá parar em frente à escola em fila dupla para que seu filho não chegue atrasado na sala de aula.
Como não tenho nada a ver com isso, contorno a Praça da República e sigo pela Riachuelo até a Padre Eutíquio, a uma velocidade média de 40km/h. Desta vez sem atropelos, sem buzinaço...
Entro por fim na João Diogo e consigo chegar ao local de trabalho. Respiro fundo e me preparo para iniciar a jornada deste dia.

Aí me chega ao pensamento a lembrança de que, algumas horas mais tarde — ou mais cedo, dependendo de como o dia correr — vou enfrentar tudo isso de novo. Mais cansado e com menos paciência, ainda sem qualquer música no rádio — que continua pedindo a tal da senha.
E gente ainda mais estressada ao meu lado, à minha frente e, o pior, atrás do meu carro. Todos apressados para chegar logo em casa. Talvez seja o último capítulo de alguma novela — mesmo sendo uma terça-feira — ou haja alguma programação especial de que não tomei conhecimento.

Valei-me, ó São Cristóvão!

quinta-feira, 6 de março de 2014

Dois pontos


Depois de algum tempo volto a me manifestar, aproveitando justamente dois assuntos que me chamaram a atenção nesta semana pré-carnavalesca.
Não para polemizar, apenas para me posicionar, para não ficar calado diante do que vejo passar à minha frente quase exigindo que eu não fique somente contemplando como se estivesse em cima do muro.
É o que faço nas linhas seguintes...

Primeiro.
Quando leio num jornal que acesso pela internet, na primeira página do caderno de variedades, a manchete indignada: “Azul, a cor proibida”.
Curioso, dei-me ao trabalho de ler a matéria. Tratava-se da manifestação, de fato indignada do diretor e produtores de uma película intitulada “Azul é a cor mais quente”, vencedora da Palma de Ouro no festival de Cannes, França, no ano passado. A empresa que havia sido contratada para prensar em discos de ‘blu-ray’ o filme recusou-se a fazê-lo alegando não trabalhar com fitas que tragam cenas de sexo explícito. Outras empresas também foram procuradas e teriam rejeitado pelo mesmo motivo.
Já que estava no meio do caminho, li rapidamente a sinopse e me dei conta de que se tratava de filme que trazia como enredo o romance entre duas adolescentes e teria realmente cenas de sexo explícito que seriam em demasia para os padrões aceitos pelas empresas encarregadas de copiar a película em ‘blu-ray’, privando assim os privilegiados que a assistiriam no conforto de suas alcovas às cenas envolvendo as duas meninas.
Seria essa mais uma notícia que passaria ao largo do conhecimento do público não fosse essa insólita indignação trazida à luz pelos comercializadores por terem sido impedidos de dar seguimento à enxurrada de lixo moral que a indústria cinematográfica mundial despeja sobre a sociedade, travestido de ‘obra de arte’, afogando-a num mar de porcarias já não mais subliminares, mas explícitas — tais como as cenas que (por algum tempo) não poderão ser vistas em ‘blu-ray’.
Essa notícia, para mim, chega como um oásis em meio ao deserto de atitudes que afrontam a moralidade herdada pelo mundo contemporâneo. Faz um registro oportuno de que ainda há limites para o despudor que grassa na modernidade, mesmo que haja sinais evidentes de caminhamos para o completo caos moral, que não se encontra muito distante de nós.
Infelizmente.

Segundo.
Também pelos jornais me chega a notícia de que oito dos réus do “mensalão” foram absolvidos do crime de formação de quadrilha, pelos quais haviam sido condenados preliminarmente.
Vejo se levantarem então duas correntes opostas: uma, a dos que se revoltaram com a medida dos juízes do STF, por entender que deveriam ter sido condenados; outra, a dos que viram nesse resultado um retorno ao “estado de direito”.
Não sou partidário de José Dirceu & Cia, muito menos advogado deles. Mas não nego que me causou espécie ver que a mais elevada corte do País se rendia a um julgamento nitidamente político, abandonando qualquer aprofundamento no exame de provas e evidências, algo que me parece básico em todo julgamento.
Além disso, ver o destempero do juiz Joaquim Barbosa e as jogadas de cena do juiz Gilmar Mendes e outros mais foram coisas que me deixaram desacreditado do Direito no Brasil. Não me pareciam posturas condizentes com os cargos que exercem. Os poucos momentos que assisti pela TV me deixaram a impressão nítida de que havia algo por trás disso tudo, alguma coisa não muito boa.
Sempre achei que para condenar alguém era preciso provar, de maneira insofismável, a sua culpabilidade. Com documentos reais, testemunhos críveis e outros mais que deixassem evidente que cometeram de fato o crime pelo qual estavam sendo julgados.
Li algumas reportagens antes e durante o julgamento e, levado pelo que me chegava ao conhecimento dizia a mim mesmo que, infelizmente, os réus acabariam absolvidos. Justamente por faltarem o que eu achava indispensável: as provas, contundentes provas.
Pois parecia haver uma orquestração de passos que conduziam a esse pensamento. A demora em apresentar a denúncia – que levaria à prescrição — e a não comprovação de que foram realmente essas pessoas as responsáveis pelos crimes quando enfim denunciados.
Não, eu não queria que fossem absolvidos! Mas não ficaria tranquilo com minha consciência se, como havia sido conduzido o processo, fossem condenados porque “pareciam ter cometido”. Da mesma forma como me recuso a aceitar que fossem “apenas” esses. Chegaram a eles, mas não se chegou ao todo.
Deixem-me explicar: se alguém usa o meu carro para cometer um assalto e eu não apresentei queixa pelo seu desaparecimento, eu serei indiciado como cúmplice. Penso que é assim que se procede. Se alguém usa a minha casa como depósito de objetos roubados ou como “boca de fumo” eu acabarei implicado, de uma forma ou de outra. Daí...
Não festejei a absolvição dos oito “mensaleiros”, da mesma forma que não comemorei a sua condenação, da forma como se deu. Mas eu sou apenas alguém que pensa, que está fora da esfera de poder, de mando... Nada do que eu diga ou faça irá ter grande influência no pensamento global.
Apenas faço o registro para que minha consciência fique tranquila. Esse pecado eu não terei a me acompanhar pelo que me resta a viver...

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Expectativas

2014 está às portas – quando tiver concluído este texto ou você o estiver lendo já estaremos plenamente nele.
Haverá uma copa do mundo no Brasil no meio do ano e muita coisa girará em torno desse assunto, sobretudo porque muito foi gasto – dinheiro público brasileiro principalmente – e são grandes as expectativas no “país do futebol”. Esse tema servirá de pano de fundo para o desfile de personagens mais ou menos importantes que procurarão fazer de um tudo para que disso não esqueçamos.
Dessa forma questões de “menor interesse” serão deixadas para depois, postergados – linda palavra, não? – para quando faltar matéria nas redações e os ânimos serenarem após a conquista ou a perda do título disputado nos gramados. Ou haverá tapetão da FIFA? Quem sabe?
O certo é que o futebol será o prato do dia, todos os dias do período.
Isso se não ocorrerem novas avalanchas de manifestação como as de 2013, que surpreenderam os que se julgavam capazes de manter a massa contida e sem reação diante de mandos e desmandos desde sempre. É certo que já não serão tão surpreendentes, mas se voltarem certamente se encarregarão de elevar a pressão de quem conta com o silêncio dos inocentes.
Mas será justamente após a copa do mundo que se poderá ter a certeza de que há realmente um levante contra as arbitrariedades tão brasileiras ou se tudo não passou de um sopro, como de alguém exalando seu suspiro derradeiro.
Porque só no segundo semestre decolarão de fato as campanhas de quem pretende se eleger no pleito deste ano. À exceção das cidades – prefeituras e câmaras municipais – estarão em jogo os cargos públicos de deputados, senadores, governadores e a presidência da República.
Irão às ruas, palanques, canais de TV, intrometendo-se na vida de todos com propostas reais e fantasiosas, projetos factíveis ou não, promessas que, na sua maioria, serão sumariamente esquecidas a partir do momento em que tomarem assento nos cargos perseguidos.
E farão isso sem nos pedir licença, tornando as nossas noites – sobretudo – mais agradáveis. Pois teremos mais tempo livre, pois haverá mais televisores desligados e as famílias poderão conversar por algumas horas. Ou não, claro!
Nesse caso, essas mesmas noites serão fastidiosas – outra palavra bonita, não?

Mas aí me aparece a pergunta que não quer calar: será que aqueles que foram às ruas em 2013 darão o ar de sua graça outra vez? Ou, perguntando melhor: terão coragem de dar a sua resposta a tudo isso na hora de consumar o seu voto?

Concordo com quem diz que o voto obrigatório não é solução. Mas, que fazer? Cruzar os braços e permitir que a história continue se repetindo ad infinitum?
Concordo também que o sistema de governo vigente não é o melhor, que há muitas brechas que permitem a corrupção e poucos são os candidatos confiáveis de verdade. Mas, se é essa a realidade que temos, é preciso usar dela para chegar ao que consideramos ideal. Deixando como está nunca ocorrerão mudanças, porque quem se encontra no comando prefere que seja assim.
Da mesma forma se dizia que não havia jeito com relação ao aumento das passagens e vimos no que deu. Houve certa bagunça, provocada pelos vândalos de plantão, mas na essência deixou evidente que é possível reagir sem desestabilizar o país.
Por que isso não funcionaria também para o processo eleitoral?

Não, não estou propondo revolução alguma. Não no sentido anárquico do termo.
Antes, espero que se coloquem os cérebros para trabalhar em busca de uma alternativa que nos aponte para um futuro onde não valha à pena ser corrupto, onde a honestidade não seja exceção, onde se faça a verdadeira política e não isso que se enxerga por aí e faz a gente sentir vergonha.
Sei que mudar o pensamento das pessoas é tarefa complicada, quase chega a ser impossível.


Mas é que eu sou brasileiro e não desisto nunca.