Li por esses dias um comentário no
jornal sobre o comportamento do típico condutor de veículos — a quem chamamos
motorista. E fiquei imaginando a possibilidade de arrancar disso um texto novo
para os meus seis ou sete leitores.
Além de ter amigos que vez por outra
comentam ‘causos’, eu próprio experimento as agruras de dirigir nesta capital,
indo e vindo, de casa para o trabalho, do trabalho para casa; isso fora as
celebrações, os passeios e outras necessidades na área.
Assuntos houve que se sobrepuseram e
acabei deixando passar a oportunidade. Até agora, quando me vi sem o que
publicar depois de manifestar minha opinião sobre dois pontos que me cobravam a
palavra.
Lembrei de minha filha com sua
“Crônica da Meia-passagem” e, com menor charme e competência me peguei anotando
no caderno, na sacada do apartamento, aproveitando o silêncio da noite meio
fria e antes que chegasse o sono natural de quem chegou aos sessenta e ficou
acordado o dia inteiro...
Saio de caso por volta de 7h30 e, no
primeiro cruzamento já me vejo atrás de mais de uma dezena de carros à espera
de sinal para avançar. O rádio está desligado, pois sofri uma pane de bateria —
que foi trocada — e o aparelho pede uma senha que não encontro em lugar algum.
As buzinas ecoam atrás de mim
imediatamente ao surgir a luz verde liberando a pista. Exercito um pouco a
paciência e sigo em frente sem xingar ninguém.
Mais adiante, depois de uns
quinhentos semáforos, o primeiro congestionamento, em frente a uma
universidade. Mais buzinaço, gente me cortando a dianteira sem sequer
sinalizar, mas o clima ainda não me contagiou. Sigo à direita e encontro o
segundo momento de conduzir o carro mais devagar.
São dois os semáforos até a segunda
esquina, onde viro à esquerda e passo para o terceiro congestionamento, mais um
neste início de manhã.
Chego a mais um cruzamento, viro à
direita e sigo uma reta até o próximo engarrafamento. A sequência de buzinas
começa a incomodar quando paro antes da faixa diante de um sinal verde, para
não obstruir o trânsito e quem está atrás quer seguir adiante, não importam as
consequências.
Chega aos lábios um xingamento —
“Compra uma rua pra ti!” — mas ainda é cedo, é possível prosseguir sem me
deixar levar pelo mau humor.
Uma subida e ao final um apressado
corta pela direita e quase é abalroado por alguém que não lhe dá passagem.
Diminuo ainda mais a velocidade para não ser atingido pelo imprudente. Sinto o
impulso de também impedir seu avanço, mas acabo permitindo que me ultrapasse,
mesmo estando no lado errado e o vejo cruzar a esquina e seguir já na parte que
é só descida.
Na esquina seguinte freio novamente e
deixo que um veículo a cruze antes de mim, cedendo a mais um buzinaço. Deve
estar com mais pressa que eu, certamente. Talvez vá parar em frente à escola em
fila dupla para que seu filho não chegue atrasado na sala de aula.
Como não tenho nada a ver com isso, contorno
a Praça da República e sigo pela Riachuelo até a Padre Eutíquio, a uma
velocidade média de 40km/h. Desta vez sem atropelos, sem buzinaço...
Entro por
fim na João Diogo e consigo chegar ao local de trabalho. Respiro fundo e me
preparo para iniciar a jornada deste dia.
Aí me chega ao pensamento a lembrança
de que, algumas horas mais tarde — ou mais cedo, dependendo de como o dia
correr — vou enfrentar tudo isso de novo. Mais cansado e com menos paciência,
ainda sem qualquer música no rádio — que continua pedindo a tal da senha.
E gente ainda mais estressada ao meu
lado, à minha frente e, o pior, atrás do meu carro. Todos apressados para
chegar logo em casa. Talvez seja o último capítulo de alguma novela — mesmo
sendo uma terça-feira — ou haja alguma programação especial de que não tomei
conhecimento.
Valei-me, ó São Cristóvão!
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