Em minhas “andanças”
pelas Escrituras deparei-me com aquilo que hoje criei coragem para discorrer
mais detidamente a respeito. São trechos dos evangelhos em que Jesus se
encontra com pessoas concretas e nelas se veem verdadeiras catequeses.
São diversos esses
encontros de Cristo que se podem saborear e nos conduzem a um amadurecimento na
fé – Madalena, Zaqueu, Natanael, a samaritana, o cego de Jericó, a hemorroíssa,
e tantos outros mais.
Entretanto, percebi que
há também pessoas que são, por assim dizer, inominadas; não nos são
‘apresentadas’ e o contexto chega a ser tão explícito que as conhecemos sem
delas saber o nome ou a procedência. Apenas estão lá, com suas atitudes
registradas pelos evangelistas.
Isso me chamou a
atenção, de modo que me permiti comentar sobre elas. Para tanto escolhi três dessas
situações, que são essas:
1] - Crucificado, Jesus
fica entre dois malfeitores. Um deles o evangelista diz chamar-se Dimas. E o
outro, como se chama?
2] - Ressuscitado, Jesus
tem sua visita aos apóstolos contestada por Tomé. Esse apóstolo é chamada
também como “Dídimo”, que quer dizer “Gêmeo”. Ou seja, Tomé, o incrédulo, tem
um irmão gêmeo. Como se chama esse irmão?
3] Durante o percurso
de Jerusalém a Emaús Cristo aparece e inflama o coração de dois discípulos, que
o reconhecem apenas ao partir o pão. Um deles o evangelista diz que se chama
Cléofas. Qual o nome do outro discípulo?
Apartados das multidões
que seguiam Jesus, em episódios pontuais, essas pessoas aparentemente
desconhecidas são colocadas pelos evangelistas de modo que compõem a moldura de
um cenário catequético e mesmo querigmático.
Partindo desses três
episódios é-nos permitido pensar que se trata de uma forma de evangelização
utilizada pela Igreja primitiva, a mesma que a reforma teológica iniciada com o
Concílio Vaticano II tem revigorado em nossa Igreja. Os últimos papas – Paulo
VI, João Paulo II, Bento XVI – e também o atual, Francisco, em muito
contribuíram para resgatar esse modo de evangelizar.
Sabemos que os
Evangelhos não são relatos puramente históricos da vida de Jesus. Antes,
constituem um modo utilizado pela Igreja Primitiva para catequizar os que buscavam
a Igreja para serem batizados e experimentar a mesma alegria que viam nos
cristãos de sua época, mesmo em meio à perseguição política e religiosa de seu
tempo.
E qual seria esse
“método”? O de catequizar por meio de diálogos que colocam a adesão a Cristo,
crucificado e ressuscitado, numa dimensão existencial, já em vista da
escatologia dos últimos tempos.
Assim, o catequizando torna-se
parte intrínseca do processo; a catequese o insere em cada momento registrado
da presença de Cristo. Algumas vezes fazendo parte da multidão – como no sermão
da montanha, na pesca milagrosa, na multiplicação dos pães, etc. Em outras, a
participação é individual, como nos momentos que ressaltei.
Observando segundo esse
enfoque, podemos direcionar para quem escuta a identidade da pessoa que os
trechos proclamados mencionam. Assim, o “ladrão” ao lado de Jesus sou eu, é
você. O irmão gêmeo de Tomé e o companheiro de Cléofas, também.
Ou seja, somos nós os que
blasfemamos diante do Crucificado; somos nós ainda um dos que duvidam da
ressurreição – possivelmente porque nos encontramos sepultados em nossos
pecados – e também somos nós que não conseguimos identificar Cristo no outro,
que caminha ao nosso lado. Somos lentos para entender o cumprimento das
Escrituras – não só na vida de Jesus, que alguns de nós conhecemos até de cor,
mas, sobretudo em nossa própria vida – em casa, na escola, no trabalho, na
comunidade...
Jesus vai ao nosso lado
e não o reconhecemos!
Outro aspecto
interessante é que, antes da ressurreição esses encontros “personalizados” se
dão geralmente em meio à multidão. Apenas depois da Páscoa é que ganham esse
contexto particular. Ressuscitado, o Senhor se torna mais ainda “um conosco”,
faz-se presente na individualidade de cada um para nos conduzir à comunhão com
os outros, a nos fazer verdadeiramente Igreja-comunidade.
Penso que isso também é
uma forma de centrar nosso enfoque para o principal. São Paulo e outros
apóstolos garantem que o eixo do Cristianismo não se encontra no Jesus
histórico, aquele que percorreu as estradas e cidades do Israel do tempo da
dominação romana. Mesmo sua paixão e a morte foram “etapas” até alcançar o
ponto principal e que permanece até hoje como o centro da pregação – um homem
venceu a morte, foi sepultado, mas de lá saiu sem experimentar a corrupção.
Essa garantia a tiveram
os apóstolos e os que creram na sua palavra, no anúncio que receberam de quem
testemunhou isso tudo. E para nós isso deveria ser suficiente, se tivéssemos
força de vontade para resistir aos que nos dizem o contrário.
No entanto, nos
escandalizamos quando nos deparamos com o nosso próprio pecado, seja ele qual
for. Em nossa ideia de justiça queremos ser perfeitos por nossas próprias
forças e isso, por não vir de Deus, não o conseguimos. Queremos estar
convertidos de uma vez por todas, mas a realidade, o dia a dia nos faz
experimentar que isso é algo impossível, pois esbarramos sempre em nossa
limitação.
Por que Deus permite
que seja assim? Creio que São Paulo tem a resposta: quando escreve aos cristãos
de Roma afirma que somos seres carnais e não espirituais; e que o homem da
carne não pode agradar a Deus, não pode realizar as obras do Espírito.
Quando nos voltamos
para as coisas do Espírito a nossa carne – nossas concupiscências – reclama,
porque deseja ser saciada. Isso nos leva ao combate interior, cujo resultado
fica evidente apenas a quem nos observa com atenção. São as nossas atitudes que
revelam o vencedor dessa batalha que se trava lá no íntimo de nós.
Se em nós venceu o
Espírito de Deus, nosso comportamento exterior revela essa condição. E também
se venceu a carne!
Se, mesmo ganhando o mundo,
somos tristes e acabrunhados, ‘reclamões’ e insatisfeitos, permanecemos, como
os personagens mencionados ao início, inominados, dispersos na multidão, qual
massa disforme, sem pertença particular a grupo algum.