sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Pecados, demônios e tentações em Chaves


Roberto Gómez Bolaños, apelidado, num exagero quase perdoável, de “Pequeno Shakespeare”, é o criador de uma das mais sutis, brilhantes e temíveis representações do inferno em qualquer das artes: o seriado “Chaves”. Sartre escreveu em sua famosa peça “Entre Quatro Paredes”, de 1945, que “o inferno são os outros”. Não existe uma definição universalmente aceita sobre o conceito de in­ferno na tradição teológica ocidental. Segundo o historiador Jean Delumeau, no livro “Entrevistas Sobre o Fim dos Tempos”, o catolicismo tradicional, apoiando-se em Santo Agostinho, apregoava a “existência de um lugar de sofrimento eterno para aqueles que tiverem praticado um mal considerável nessa vida e dele jamais se tenha arrependido”. Essa noção, um tanto incongruente com a imagem de um Deus misericordioso, não prosperou fora do imaginário po­pular, sendo substituída pela so­lução do Purgatório, desenvolvida no século II, sobretudo, por Orígenas. Nin­guém mais estaria condenado para sempre, embora, excetuando-se os santos, todos tivessem que passar por um período variável de purificação, com a garantia da salvação ao final. Santo Irineu discordava. Para ele, “os pecadores confirmados, obstinados, se apartaram de Deus, também se apartaram da vida”. Portanto, após o julgamento final, os condenados seriam simplesmente apagados da existência.Por Ademir Luiz (Revista Bula)

A polêmica continuou pelos séculos dos séculos, com novos debatedores: Tomás de Aquino, Lutero, Joaquim de Fiore. Na literatura, Dante e Milton criaram visões poderosas do inferno. O trio de condenados de Sartre, os cenobitas sadomasoquistas de Clive Barker e os pecadores amaldiçoados de Roberto Bolaños são recriações contemporâneas perturbadoras.
Sim, Roberto Bolaños. Não, não se trata do falecido ficcionista chileno Roberto Bolaño (1953–2003), autor do calhamaço “2666”. O Bolaños com S é um artista infinitamente superior. Refiro-me ao ator, escritor e diretor mexicano Roberto Gómez Bolaños, apelidado, num exagero quase perdoável, de Chespirito, ou “Pequeno Shakespeare” à mexicana. Ele é o criador de uma das mais sutis, brilhantes e temíveis representações do inferno em qualquer das artes: o seriado “Chaves”. Se, conforme ensinou Baudelaire, “a maior artimanha do demônio é convencer-nos de que ele não existe”, podemos concluir que esse mesmo demônio não iria apresentar seus domínios por meio de estereótipos: escuridão, chamas, tridentes, lava. Em “Chaves”, verdadeiramente, “o inferno são os outros”.
Bolaños encheu sua criação de sinais que devem ser decodificados para que se revele seu verdadeiro sentido de auto moralizante. O primeiro e mais importante é o título. Originalmente, o seriado chama-se “El Chavo Del Ocho”, ou traduzindo do espanhol: “O Moleque do Oito”. Ninguém sabe o verdadeiro nome do protagonista, que nunca foi pronunciado. Cha­mam-no apenas de “Moleque”. O nome próprio Chaves é uma adaptação brasileira, uma corruptela da palavra “chavo”. É certo que um “chavo”, ou “moleque”, é quem faz molecagens; quem subverte a ordem do que seria moral e socialmente aceito como correto. Em livre interpretação, o “moleque” é um pecador. Portanto, o seriado trata de pecados. Não de pecados mortais, pois do contrário dificilmente seus personagens gerariam simpatia, mas, com certeza, de pecados capitais.
Ao contrário do que muitos acreditam, o protagonista não mora em um barril, mas na casa número 8. Sendo órfão e morador de rua, foi recolhido por uma idosa, que jamais foi mostrada; e que talvez não exista. Se existir é a morte materializada, pois habita o 8. Basta deitar o numeral 8 que obtemos o símbolo do infinito. A morte é infinita, pois não há vida antes da vida e após a vida volta-se a condição anterior. A vida pode ser medida pelo tempo, o antes e o depois é, por definição, infinito. O nada infinito, a graça infinita ou a purgação infinita.
Essa vila do “8” nada mais é do que um pedaço do Inferno, especialmente preparado para receber seus hospedes, mortos e condenados no julgamento final. Uma variação cômica de “Entre Quatros Paredes”, onde duas mulheres e um homem (além de um mordomo… mas o comunista Sartre não considerou o representante da classe proletária um personagem pleno) são obrigados a se suportarem mutuamente pela eternidade, num ciclo infindável de acusações e violência. Não é difícil imaginar a cena: Chiquinha chuta a canela de Quico e faz seu pai pensar que o menino foi o agressor, enervado Seu Madruga belisca Quico, que chama Dona Florinda, que acerta um tapa no vizinho gentalha, que descarrega a raiva no Moleque, que atinge o Seu Barriga quando ele chega para cobrar o aluguel. Enquanto isso, o professor Girafales, queimando de desejo, bebe café, com um buquê de rosas no colo, sem desconfiar a causa, motivo, razão ou circunstância de tanta repetição.
chaves-620x400
O cenário é um labirinto rizomático, sem centro, começo nem fim. Saindo da vila caem em uma rua estreita que leva a um pequeno parque, um restaurante e uma apertada sala de aula. As variações, como Acapulco, são exceções que confirmam a regra. O universo dos personagens se resume a esse espaço claustrofóbico, onde um ambiente leva a outro que leva a outro que leva a outro, indefinidamente.
Os pecados que cometeram em vida transparecem em suas características, medos e frustrações. Chaves, o Moleque, sempre faminto, cometia o pecado da gula. Glutão inveterado, sua preferência por sanduiche de presunto indica desprezo pelas leis de Deus, que proibiu o consumo de porco, esse animal sujo e de pé fendido. Inimigo de qualquer autoridade moral, apelidou seu professor de “Mestre Linguiça”, outra referência a malfadada iguaria suína.
Seu Madruga, que têm muito trabalho para continuar sem trabalhar, cometia o pecado da preguiça. Exigem redobrados esforços suas estratégias de fuga, para não pagar os indefectíveis 14 meses de aluguel. Que nunca se tornam 15 meses, denotando que a passagem do tempo está suspensa. Não é necessário lembrar que 7 + 7 é igual a 14 e que, na tradição crística, 70 x 07 simboliza o infinito. Da mesma forma que o 8, o símbolo de adição deitado torna-se o de multiplicação. Deus mora nos detalhes.
A ganância de Seu Barriga é óbvia. Quem mais cobraria o aluguel mensal praticamente todos os dias? Os golpes que o Moleque lhe aplica sempre que chega a vila faz parte de sua punição. O fato de possuir como veículo uma Brasília amarela liga-o imediatamente ao país Brasil, indicando que em vida deve ter se envolvido em escândalos de corrupção. Terry Gilliam não escolhe títulos ao acaso.
O pequeno marinheiro Quico, o menino mais rico da vila, é movido pela inveja. Sempre que vê um de seus pobres vizinhos se divertindo com um surrado brinquedo, cobiça aquela alegria simplória e vai buscar um dos seus, sempre maior e melhor, mas que nunca lhe dá satisfação. O brinquedo do outro, mesmo sendo obviamente inferior, sempre lhe parece mais interessante. Um círculo vicioso de inveja, jamais saciada.
Chiquinha é marcada pela personalidade intolerante, raivosa. Imitando o Pateta, usava o automóvel como uma arma potencializadora de sua ira. Morrendo em uma briga de trânsito, na vila, tenta fazer o mesmo com o triciclo. Não foram poucas as vezes que atropelou pés e brinquedos. Mas a musa que canta a ira do poderoso Aquiles não se ocupa da ira insignificante de Francisquinha. Sendo a menor e fisicamente mais fraca da vila, só lhe resta chorar, chorar e chorar.
Dona Florinda e o Pro­fessor Girafales foram libertinos do porte do Marquês de Sade e Messalina (ou os próprios). Mestres na arte da luxúria, acabaram condenados a eternidade de abstinência sexual. Frigida e impotente, a mente almeja, mas o corpo não acompanha. Consomem infindáveis xícaras de café que, com propriedades estimulantes, alimentam ainda mais o fogo que não podem debelar. O professor Girafales fuma em sala de aula não porque “El Chavo Del Ocho” foi gravado antes da praga politicamente correta, mas devido ao fato dele ser portador do célebre cacoete pós-coito de acender um cigarro, fazer um aro de fumaça no ar e perguntar “foi bom para você?”. Incapaz de cumprir a primeira parte do ritual erótico, involuntariamente reproduz a segunda. Não por acaso, a trilha sonoro de seus encontros é a mesma de “… E o Vento Levou”. A frase final do filme é “amanhã será outro dia”. Na vila, sempre haverá outro dia e outra xícara de café.
Dona Clotilde, a bruxa do 71, padecia de extrema vaidade. O gênio de Bolaños teve a sutileza de convidar uma ex-miss, a espanhola Angelines Fernández, para interpretar a personagem. Novamente o signo de uma condenação eterna aparece: 71 nada mais é do que 7+1=8. O animal de estimação de Dona Clotilde, significativamente chamado de Satanás, chama atenção para outro elemento importante. A presença de diversos demônios errantes na vila. Trata-se de uma besta transmorfa. Em alguns episódios satanás é um gato, em outros um cão. Diferente do paradoxo do coelho-pato de Jastrow, Wittgenstein e Thomas Kuhn, que servia ao desenvolvimento da razão, o gato-cão é uma representação do misticismo, o cão em “pessoa”.
Em 1589 o teólogo Peter Binsfeld, no livro “Binsfeld’s Classification of Demons”, estabeleceu que cada um dos sete pecados capitais possui um patrono infernal. Sintoma­tica­mente, Lúcifer, nome pelo qual muitos chamam satanás, gera a vaidade. Os outros são Asmodeu que gera a luxúria, Belzebu a gula, Mammon a ganância, Belphegor a preguiça, Azazel a ira e Leviatã a inveja. Não nos enganemos: eles rondam a vila. Aparecem circunstancialmente, para promover desordem, dor e tentação.
Se o gato-cão Lúcifer/Satanás ajuda a difundir o boato de que Dona Clotilde é uma bruxa, me parece óbvio que a bela menina Paty e sua tia Glória são Belzebu e Belphegor metamorfoseados em súcubos, demônio sexuais femininos, prontos para atiçar outros apetites no Moleque e tirar Seu Madruga de seu estado de letargia. Por sua vez, o galã de novelas Hector Bonilla, que visitou a vila, nada mais é do que Asmodeu na forma de um íncubo, demônio sexual masculino, com a missão de tumultuar a relação do casal de libertinos castrados. Nhonho é Mammon, instigando o pai avaro a gastar. Popis é Azazel, esmerando-se em despertar a ira de Chiquinha com sua futilidade enervante. Godinez é Leviatã atiçando a inveja de Quico, com suas respostas tão certeiras quanto involuntárias ao Mestre Linguiça. Figuras de pouca relevância como Dona Neves, Seu Furtado, os jogadores de ioiô, os alunos anônimos na escola, os clientes do restaurante, o pessoal do parque e do festival da boa vizinhança, além de outros coadjuvantes, são entidades demoníacas menores, com a função de criar a ilusão de normalidade.
De fato, os frequentadores da vila parecem inscientes de sua condição. Os adultos por serem alto centrados. As crianças por estarem duplamente amaldiçoados, regredidos a condição infantil, talvez como espelho da imaturidade emocional que os levaram a conduta pecadora. Enquanto muitas pessoas sonham em possuir a experiência da maturidade em um corpo jovem, eles mantiveram o corpo que possuíam na hora da morte, mas quase sem nenhuma experiência. Essas são as sutilezas da burocracia infernal.
O carteiro Jaiminho, em sua função de portador de mensagens, é o único representante do lado de cá. Um médium que tenta fazer contato com essa outra dimensão. Seu constante estado de fadiga é resultado do esforço sobre-humano necessário para cruzar as dimensões. Prova disso é a descrição que Jaiminho dá de sua terra natal, Tangamandápio. A despeito de existir de fato, sendo localizada a noroeste do Estado mexicano de Micho­acán, trata-se de uma alegoria. Se­gundo o carteiro, tudo em Tangamandápio é colossal. Seria maior do que Nova York e teria uma população de muitos milhões de habitantes. O que poderia ser tão grande? Obviamente, ela não se refere a uma única localidade isolada, mas a todo o planeta; a  terra dos vivos. As cartas que transporta são psicografias e a bicicleta que nunca larga, apesar de não saber andar, nada mais é do que um totem, ao estilo de “A Origem”, necessário para que possa voltar para realidade.
Em “El Chavo Del Ocho”, Bolanõs, o Camus asteca, criou sua própria versão do mito de Sísifo. O Moleque e companhia estão condenados a empurrar inutilmente por uma ladeira íngreme essa imensa pedra chamada cotidiano, que sempre rola de volta, obrigando-os ao tormento do eterno retorno. A pedra de Quico é quadrada, não rola, desliza. É cômico, apesar de trágico.
(Transcrito do Blog do Gerson - http://blogdogersonnogueira.wordpress.com/2013/08/23/pecados-demonios-e-tentacoes-em-chaves/)
Achei interessante esse post que recebi por e-mail e decidi publicar, para compartilhar com os que não têm acesso ao Blog do jornalista do Diário do Pará.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

A pequena Lina


O texto abaixo, que recebi há poucos dias, é o resumo de um poema muito bonito, que era declamado em palco na forma de monólogo.

O título do poema é "O Beijo do Papai" e me foi apresentado por aquela que hoje me acompanha como esposa.
Uma lição de amor e ternura, uma 'clareira' de esperança no meio do ambiente triste de uma guerra.

Eis o link para o original: http://www.planetamais.com.br/view/mensagem/?detail=102


A Pequena Lina

 Conta-se que, no tempo da guerra entre a Rússia e o Japão, certa tarde, após cessarem os bombardeios, junto à linha de fogo surgiu uma criança, com o olhar curioso e indagador, como quem procura descobrir um semblante amistoso naquele triste campo de batalhas.
Ao ver a pequena, um bravo soldado japonês que podia dominar a língua eslavo-oriental, tomando em suas mãos calosas as acetinadas mãozinhas da criança, indagou com ternura:
-O que deseja, minha pequena? Está procurando algo no meio da tropa? Quem é você? De onde vem? Qual é o seu nome?

-Meu nome é Lina. Estou procurando o papai, que há muito tempo não vejo. Sinto tanta saudade. Desejava vê-lo agora.
-Que pena... O seu papai já não está mais aqui. Ele seguiu em frente. Posso lhe dar algum recado? Fale-me como ele é e vou procurá-lo e dar suas notícias. Está bem?
-É fácil distinguí-lo... Meu pai é alto, forte, tem olhos azuis como os meus e um bonito rosto barbado. Os cabelos também são loiros.
E a criança, esperançosa, tirou do bolsinho do avental uma foto do pai, dizendo sorridente:
-Dou-lhe esta foto para que o reconheça. Ele se chama Ivan.
O soldado, comovido, colocou o retrato no bolso da sua túnica e indagou com enorme carinho:
-Bem, agora qual é o recado que vai deixar comigo para o seu papai?
-Não é nenhum recado que eu quero que lhe dê...
-Então o que é? Pode falar que eu prometo fazer o que pede.
-Sim, eu quero que chegue juntinho dele e entregue esse meu beijo.
Assim dizendo, a pequena pulou ao colo do soldado e beijou-lhe o rosto umedecido pelas lágrimas e voltou correndo por onde havia chegado.
Durante toda aquela noite foi intenso o bombardeio e num assalto a tropa japonesa conquistou o inimigo. Os feridos começaram a ser recolhidos indistintamente. Nisto, aquele soldado japonês viu passar, carregado, um soldado cujas feições se assemelhavam muito às da criança. Tirou a foto do bolso e conferiu. Não havia dúvidas. Era ele. O soldado o chama:
-Ivan?
-O que deseja?-respondeu o russo ferido.
-Trago comigo um carinhoso beijo que Lina, sua filhinha lhe enviou.
Dizendo isto, beijou a fronte do inimigo ferido e o abraçou ternamente.
Não havia ali lugar para o ódio...
Foi o que o soldado aprendeu com Lina.

O Samurai


O Samurai

Na China vivia um grande samurai, já idoso, que agora se dedicava a ensinar o zen-budismo aos jovens.
Apesar de sua idade, corria a lenda de que ainda era capaz de derrotar qualquer adversário.
Certa tarde, um guerreiro - conhecido por sua total falta de escrúpulos - apareceu por ali.
Era famoso por utilizar a técnica da provocação: esperava que seu adversário fizesse o primeiro movimento e, dotado de uma inteligência privilegiada para reparar os erros cometidos, contra-atacava com velocidade fulminante.
O jovem e impaciente guerreiro jamais havia perdido uma luta.
Conhecendo a reputação do samurai, estava ali para derrotá-lo, e aumentar sua fama.
Assim, o jovem guerreiro desafiou o idoso samurai para uma luta.
Todos os estudantes se manifestaram contra a idéia, mas o velho aceitou o desafio.
Foram todos para a praça da cidade, e o jovem começou a insultar o velho mestre.
Chutou algumas pedras em sua direção, cuspiu em seu rosto, gritou todos os insultos conhecidos - ofendendo inclusive seus ancestrais.
Durante horas fez tudo para provocá-lo, mas o velho permaneceu impassível.
No final da tarde, sentindo-se já exausto e humilhado, o impetuoso guerreiro retirou-se.
Desapontados pelo fato de que o mestre aceitar tantos insultos e provocações os alunos perguntaram:
- Como o senhor pode suportar tanta indignidade? Por que não usou sua espada, mesmo sabendo que podia perder a luta, ao invés de mostrar-se covarde diante de todos nós?
- Se alguém chega até você com um presente, e você não o aceita, a quem pertence o presente? - perguntou o samurai
- A quem tentou entregá-lo - respondeu um dos discípulos.
- O mesmo vale para a inveja, a raiva, e os insultos - disse o mestre.
-Quando não são aceitos, continuam pertencendo a quem os carregava consigo.


Transcrito do site PlanetaMais, através do link abaixo:
http://www.planetamais.com.br/view/mensagem/?detail=163

noticiário policial

Não costumava gastar meu tempo lendo as páginas do noticiário policial, até que alguém me disse que as lia para examinar as fotos, sobretudo as de criminosos e suspeitos – eram olhares perdidos, rostos inexpressivos ou mesmo sórdidos, onde se podia perceber claramente o retrato do ser humano sem Deus. Passei a encarar de modo diferente o caderno de “Polícia”, constatando ser verdadeira a afirmação de quem me convencera.
Isso para explicar porque me chamou a atenção a leitura de duas matérias desse caderno. A primeira delas sobre o caso da menina Isabella Nardoni, que teria sido assassinada pelo próprio pai, com ajuda da madrasta. A outra sobre o menino de 13 anos que teria matado sua família – quatro pessoas mortas com tiros na cabeça. O primeiro crime ocorreu em 2008 e comoveu boa parte do País; o segundo na semana passada. Ambos em São Paulo, a maior cidade do Brasil.
No primeiro caso teria havido um “linchamento moral” dos acusados, com o casal sendo condenado pela opinião pública antes mesmo do veredito do júri. Isso porque um exame realizado nos Estados Unidos e recentemente divulgado alterava o raciocínio utilizado para a condenação do casal à época e que poderá, segundo a defesa, causar uma reviravolta no caso que já se presumia concluído.
No outro caso, a reportagem revela que o menino supostamente assassino de seus familiares teria aprendido a atirar com o próprio pai, que era integrante da ROTA, a patrulha de choque da PM paulista.

Registro essas reportagens sem tomar partido, apenas para ilustrar o pensamento que, parece-me, consta de quase todas as constituições de países livres do mundo: “Todos são inocentes até que se prove o contrário”. Se não é exatamente assim, é algo parecido.
Na prática, porém, se vê que não é bem dessa forma que acontece. O casal do primeiro evento já estava condenado antes mesmo de ser julgado. A opinião pública já havia decidido assim. Nas cadeias do Brasil se encontram pessoas, homens e mulheres que, por não disporem de recursos para bancar advogados capazes de provar sua inocência, apodrecem no cárcere. Boa parte delas foi condenada da mesma forma que aquele casal.
Não entro no mérito do caso Nardoni, pois não os estou defendendo, mas manifesto meu repúdio pelo pré-julgamento, pela condenação antecipada.
É o que acontece em quase todas as esferas da vida. O exemplo que utilizei é apenas isso – um exemplo. Na vida afora agimos da mesma forma e, não poucas vezes, nem nos apercebemos disso, correndo o risco de execrar pessoas sem qualquer embasamento concreto.
Fazemos uma imagem de alguém, um julgamento segundo nossos conceitos particulares e os ‘condenados’ é que precisam provar que não são aquilo que deles pensávamos. Quantos equívocos de consequências drásticas nascem disso? Essas pessoas são condenadas inapelavelmente pelo nosso ‘júri interior’, que não raro se recusa rever o ‘processo’, mantendo irreversível o resultado inicial.

O caso do menino que fora ensinado pelo pai a atirar – se foi ele mesmo quem assassinou sua família e depois cometeu suicídio – me leva a refletir na origem do problema, justamente a família.
Tanta coisa boa a ensinar a um garoto e o pai se ocupa de fazê-lo um atirador! Talvez sonhasse em vê-lo herdando sua profissão, ou tivesse a intenção de prepará-lo para se defender de criminosos... Talvez!
Além disso, uma de suas diversões era jogar games de violência, que muitos pais permitem sob a desculpa de servirem para que os pequenos extravasem no mundo virtual o que não lhes é permitido fazer no mundo real.
Esquecem, contudo, que para que assim ocorra, a pessoa precisa ter exata noção dos ‘mundos’ e também uma consciência formada que lhe sirva de guia e controle os seus impulsos. Ora, se existem adultos que confundem não poucas vezes os limites, quanto mais um adolescente!
Ambos os casos – o julgamento sem bases concretas e educação familiar (ou a falta dela) – são protótipos de uma realidade triste de como se encontra o mundo em que vivemos. Amanhã não se falará mais disso, pois não renderão manchetes para jornais e revistas, serão lançados no limbo do esquecimento pela mídia e pela opinião pública.
As pessoas que foram afetadas por todo esse processo, porém, os sobreviventes, terão que carregar consigo, possivelmente pelo resto da existência, o estigma, as cicatrizes na alma. Que talvez o tempo amenize, venha até a curar. Talvez!


terça-feira, 20 de agosto de 2013

Frase para reflexão

A frase abaixo me chegou por e-mail e achei oportuno compartilhar com a minha meia dúzia de três ou quatro leitores.


"Vivo sem viver em mim,
e tão alta vida espero,
que morro porque não morro
"

Santa Teresa de Jesus (Teresa D'Ávila)
padroeira do Seminário Redemptoris Mater de Eger, na Hungria.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

A parábola da rosa


Um homem plantou uma rosa e passou a regá-la constantemente.
Antes que ela desabrochasse, ele a examinou e viu o botão que em breve desabrocharia, mas notou espinhos sobre o talo e pensou: “Como pode uma flor tão bela vir de uma planta rodeada de espinhos tão afiados?”
Entristecido por este pensamento, ele se recusou a regar a rosa antes mesmo de estar pronta para desabrochar, e ela morreu. Assim é com muitas pessoas.
Dentro de cada alma há uma rosa: São as qualidades dadas por Deus. Dentro de cada alma temos também os espinhos: São as nossas faltas.
Muitos de nós olhamos para nós mesmos e vemos apenas os espinhos, os defeitos.
Nós nos desesperamos, achando que nada de bom pode vir de nosso interior.
Nós nos recusamos a regar o bem dentro de nós, e consequentemente, isso morre. Nunca percebemos o nosso potencial.
Algumas pessoas não veem a rosa dentro delas mesmas. Portanto alguém mais deve mostrar a elas.
Um dos maiores dons que uma pessoa pode possuir ou compartilhar é ser capaz de passar pelos espinhos e encontrar a rosa dentro de outras pessoas. Esta é a característica do amor.
Olhar uma pessoa e conhecer suas verdadeiras faltas. Aceitar aquela pessoa em sua vida, enquanto reconhece a beleza em sua alma e ajudá-la a perceber que ela pode superar suas aparentes imperfeições. Se nós mostrarmos a essas pessoas a rosa, elas superarão seus próprios espinhos. Só assim elas poderão desabrochar muitas e muitas vezes.
Portanto sorriam e descubram as rosas que existem dentro de cada um de vocês e das pessoas que amam…
Autor desconhecido
Retirado do livro “Sabedoria em Parábolas”

Transcrito do site da Editora Cléofas, conforme link abaixo:

O Tesouro de Bresa


O Tesouro de Bresa

Certa vez, na Babilônia, viveu um pobre e modesto alfaiate chamado Enedim, homem inteligente e trabalhador, que não perdia a esperança de vir a ser rico.
Um dia, parou na porta de sua humilde casa, um velho mercador da fenícia, que vendia uma infinidade de objetos extravagantes.
Por curiosidade, Enedim começou a examinar as bugigangas oferecidas, quando descobriu, entre elas, uma espécie de livro de muitas folhas, onde se viam caracteres estranhos e desconhecidos.
Era uma preciosidade aquele livro, afirmava o mercador, e custava apenas três dinares!
Enedim negociou e acabou comprando o livro por apenas dois dinares.
Logo que ficou sozinho, Enedim tratou de examinar, sem demora, o bem que havia adquirido.
Qual não foi sua surpresa quando conseguiu decifrar, na primeira página, a seguinte legenda: "o segredo do tesouro de Bresa."
Que tesouro seria esse?
Enedim recordava vagamente de já ter ouvido qualquer referência a ele, mas não se lembrava onde, nem quando.
Mais adiante decifrou: "o tesouro de Bresa, enterrado pelo gênio do mesmo nome entre as montanhas do Harbatol, foi ali esquecido, e ali se acha ainda, até que algum homem esforçado venha encontrá-lo."
Muito interessado, o esforçado tecelão dispôs-se a decifrar todas as páginas daquele livro, para apoderar-se de tão fabuloso tesouro.
Mas, as primeiras páginas eram escritas em caracteres de vários povos, o que fez com que Enedim estudasse os hieróglifos egípcios, a língua dos gregos, os dialetos persas e o idioma dos judeus.
Em função disso, ao final de três anos Enedim deixava a profissão de alfaiate e passava a ser o intérprete do rei, pois não havia na região ninguém que soubesse tantos idiomas estrangeiros como ele.
Passou a ganhar muito mais e a viver em uma confortável casa.
Continuando a ler o livro encontrou várias páginas cheias de cálculos, números e figuras.
Para entender o que lia, estudou matemática com os calculistas da cidade e, em pouco tempo, tornou-se grande conhecedor das transformações aritméticas.
Graças aos novos conhecimentos, calculou, desenhou e construiu uma grande ponte sobre o rio Eufrates, o que fez com que o rei o nomeasse prefeito da Cidade.
Ainda por força da leitura do livro, Enedim estudou profundamente as leis e princípios religiosos de seu país,sendo nomeado primeiro-ministro daquele reino, em decorrência de seu vasto conhecimento.
Passou a viver em suntuoso palácio e recebia visitas dos príncipes mais ricos e poderosos do mundo.
Graças a seu trabalho e ao seu conhecimento, o reino progrediu rapidamente, trazendo riquezas e alegria para todo seu povo.
No entanto, ainda não conhecia o segredo de Bresa, apesar de ter lido e relido todas as páginas do livro.
Certa vez, teve a oportunidade de questionar um venerando sacerdote a respeito daquele mistério, que sorrindo esclareceu:
- O tesouro de Bresa já está em seu poder Enedim, pois graças ao livro você adquiriu grande saber, que lhe proporcionou os invejáveis bens que possui. Afinal, Bresa significa saber e Harbatol quer dizer trabalho.

Transcrito do site PlanetaMais, através do link abaixo:

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

De volta para o futuro


De volta para o futuro
Estamos – pelo menos eu estou, na hora em que desenvolvo estas ideias! – em agosto, depois de um movimentado final de junho e de um intenso mês de julho, quando muitas coisas aconteceram, várias delas merecendo registro.
Começou com a chegada do Thiago, meu filho que é seminarista em Eger, na Hungria. Foi logo no primeiro dia de julho – primeira noite, para ser mais específico. Os preparativos para a JMJ – Jornada Mundial da Juventude – no Rio de Janeiro tomavam parte do tempo, mas conseguimos oportunidades para conversar um pouco.
Em seguida vieram os poloneses – um grupo de cerca de cem jovens polacos do Caminho Neocatecumenal, com seus catequistas e presbíteros – que aportaram na (ainda) Cidade das Mangueiras para fazer por estas plagas a sua pré-jornada. Foi uma semana bastante intensa, sobretudo depois que os catequistas responsáveis pela região seguiram para o Rio com seus grupos. Mas Deus conduziu bem e fez com que tudo corresse a contento. Para nós e para eles. Espero que tenham tirado bom proveito de tudo o que viveram por aqui.
Veio então a JMJ, que acompanhamos pela TV e pudemos constatar a fidelidade do Senhor, que nos deu de presente Francisco, o papa argentino que encantou o Brasil. Sua palavra ainda ecoa em nosso meio, como consolo mas também como exortação a um permanente exercício de santidade, que passa pelo serviço, pela humildade, pela entrega de si mesmo em favor do outro, que é Cristo.

Além do Thiago, que veio da Hungria, chegaram também o Clésio, o “padre canguru”, que é missionário na Austrália – e pertence à minha comunidade – e o Bruno, seu sobrinho, que é seminarista em Curaçao. Vieram para a JMJ e permanecem entre nós durante algum tempo, em gozo de férias.
Com o retorno dos peregrinos passamos a aproveitar de suas experiências, colocadas em comum desde o último sábado, dia 3. Momentos impressionantes para quem os viveu e também para os que compartilharam, verdadeiro presente para incentivar todos a seguir as pegadas do Ressuscitado.

Porém hoje, dia 7, um pequeno rompimento: Thiago embarcou de volta para a Hungria, colocando um final às suas férias deste ano. Segue para Budapeste, onde será orientado sobre como prosseguir até o retorno às aulas, já em setembro. Fará conexão em Fortaleza, onde será acolhido por algumas horas pela família do Carlos e da Márcia, missionários itinerantes no Nordeste, deixando o Brasil à noite e rumando para a Europa, onde Deus o quer, pelo menos durante algum tempo.
Segue para fazer a vontade de Deus, contando com as nossas orações e com a misericórdia do verdadeiro Pai. Como eu mesmo deveria fazer e nem sempre consigo, assemelhando-me, por isso, a terra coberta de espinhos da parábola do semeador.
Vendo meu filho partir e sua mãe que não consegue segurar as lágrimas, enxergo nisso um recado para mim: encarar com seriedade o processo de conversão, mudar de vida de verdade, indo bem além das palavras e permitindo ao Senhor dar continuidade à santificação do meu tempo neste mundo.
Pois me vejo correndo o risco de ser deixado do lado de fora do Reino que tantas vezes celebrei e celebro, anunciando-o a outros em diversos momentos, mas que parece tão fora do meu alcance quando contemplo o que dele tenho de fato vivido no meu dia-a-dia.


Não conheço o futuro, não tenho bola de cristal nem conheço ninguém que dele me dê notícias, boas ou más. Tenho apenas a expectativa de uma promessa, a possibilidade de alcançá-lo algum dia, quando enfim poderei contemplá-lo e constatar se as perspectivas que havia antes eram acertadas ou não; o que de nada me valerá, contudo!
A certeza que tenho é de caminhar para esse futuro, na esperança de que não seja um caminho de regresso, de que se realizem as alegrias prometidas e não mais venha a precisar da catarse das palavras que hoje transmitem minhas aspirações mais profundas e o meu desejo de santidade, ainda bastante precária, em etapa pré-embrionária.
É isso...

Em 07 de agosto de 2013.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Eu e o futebol



Como faço parte de uma geração que cresceu numa cidade provinciana, fui habituado a escolher não um só, mas três times de futebol para serem as minhas “paixões clubistas”.

Cedo me rebelei com a imposição paterna e rejeitei o chamado “time de Periçá”, optando – abertamente apenas na adolescência – pelo “clube de Suíço”, o “bicolor de zinco” [se der tempo, conto a história desse “título”]. Isso em termos regionais.

Os outros dois times deveriam ser, pela expressão que possuíam à época, do Rio de Janeiro e de São Paulo. Mesmo querendo fugir à influência de meu pai, acabei ficando com o rubro-negro carioca, que nesse período não andava bem das pernas. A escolha se deu mais por exclusão, em vista das opções que havia: um era chamado de “pó-de-arroz”, e isso não me soava bem aos ouvidos; outro era ligado à colônia portuguesa e eu andava com raiva do dono da padaria da rua, que acabara de furar diversas bolas nossas que caíram em seu quintal. Havia ainda outro time, que ostentava uma “estrela solitária”, que me parecia bastante depressiva naquela ocasião.
O time de São Paulo foi escolhido já na juventude, acho que levado pelo fato de enfrentar uma situação quase dramática nesse tempo: havia décadas que não conquistava um título e vivia servindo de saco de pancadas para o time de “Pelé & cia”, então no seu auge. Lembro-me de ter me sentido “vingado” quando acompanhei – pelo rádio, pois ainda não havia transmissões pela TV para estas bandas – a “quebra do tabu”. Foi também memorável a comemoração do campeonato paulista de 1977, quando acabou o “jejum de títulos”. Eu trabalhava no Interior e naquela noite de quarta-feira vibrei bastante depois que terminou o jogo contra a Ponte Preta. Até ajudei a explodir um camburão de lixo na praça da cidade... Quase não fui trabalhar no dia seguinte.

Falando em noites memoráveis veio à lembrança uma de 1972, esta em Belém. Decisão de campeonato e Remo e Paysandu se enfrentavam pela terceira e última vez, depois de dois empates. Quem vencesse seria campeão. Eu acompanhava o jogo pelo rádio, pois não pude ir ao estádio. Mesmo jogando bem, o bicolor perdia de 1x0 ao terminar o primeiro tempo. Eram já mais de dez da noite quando começou o segundo tempo e não demorou para que eu ouvisse o locutor vibrar narrando 2x0 para o Remo. Aborrecido desliguei o radinho e fui deitar, preparando o espírito para as gozações do dia seguinte na escola.

O sono já me dominava quando fui despertado: “João, o Papão é campeão!” – demorei a concatenar as ideias e me dar conta do que havia acontecido. À base da raça o Paysandu conseguiu empatar o jogo então desfavorável e levar a partida – a derradeira – para a prorrogação; já quase ao final conseguira assinalar mais um gol e assim se sagrou campeão paraense daquele ano.

Voltarei ao assunto em outra oportunidade.