João tinha oitenta e poucos anos quando
se deu isto. Aposentado já há algum tempo, estava casado com Odete há muitos
novembros, tendo com ela somente uma filha, Maria, que hoje é casada com Raimundo;
estes dois juntos têm 12 filhos, que vêm a ser justamente os netos que João
sempre quis ter.
Um dia João amanheceu indisposto. Como está há alguns anos já
na “idade do condor” – com dor nas costas, na cabeça, nas pernas etc. –, nem
ligou. Tomou um chazinho que Odete lhe preparou e seguiu o dia. À tardinha
foram à celebração na comunidade. Lá João sentiu-se mal novamente, o bastante
para que o levassem à emergência. Onde lhe deram um Buscopam e o mandaram de volta para casa; disseram-lhe que descansando
o mal estar passaria.
Durante a noite, porém, voltou a sentir-se mal e o levaram,
desta vez a um hospital. Ficou internado, mesmo a contragosto. A esposa e uma
das “netas” o acompanharam no pernoite, pois deveria se submeter a alguns
exames logo cedo, pela manhã.
Vencido pelo cansaço
e também pela medicação ministrada, João dormiu. Dormiram também as acompanhantes,
ainda que sentadas nas cadeiras disponíveis no quarto. Dizem que, lá fora,
também as enfermeiras daquela ala caíram nos braços de Morfeu...
Quase amanhecendo,
despertam as acompanhantes e... Surpresa: o leito onde deveria estar o João
encontra-se vazio. Imaginem o alvoroço que se formou então...
As enfermeiras do
andar foram mobilizadas e, logo que despertaram, saíram em busca do doente
fujão. Acionaram até o vigia do portão de saída... Disseram que realmente um
homem “de idade” havia saído. Mas, as características descritas não coincidiam
com as de João. Concluíram, então, que por lá ele não havia passado.
Foram ao andar de
baixo, na ala em que João fora internado, mas ninguém o vira ali. Seguiram para
o andar de cima, onde também João não fora visto.
Ligaram até para o Raimundo que, mais dormindo que acordado,
prometeu dar uma ajuda antes de virar para o outro lado da cama. Afinal, nem
amanhecera ainda...
Alguém deu a ideia de
procurarem nos demais quartos do mesmo andar em que João fora internado.
Depois de procurarem
em meia dúzia de apartamentos, eis que o encontram. Dormindo, tranquilo que nem
um bebê. Roncava, até...
Após se refazerem do
susto, começaram a tentar explicar a si mesmos o que sucedera naquela madrugada
incomum e de tanta movimentação.
Concluíram que a
‘novela’ deveria ter sido – mais ou menos – esta:
Tendo dormido à base
dos remédios e ajudado pelo cansaço de toda a movimentação daquele dia, João
despertou pela madrugada e sentiu vontade de ir ao banheiro. Levantou-se,
calçou as sandálias e, meio dormindo, meio acordado, errou de porta. Em vez de
entrar no banheiro, viu-se no corredor vazio. Tudo imerso num silêncio
hospitalar!
Deu um passo à frente
e a porta fechou-se atrás dele. Decidiu não recuar e seguiu em frente,
procurando por outra porta. A primeira estava fechada, seguiu em frente, até
que uma se abriu. João entrou, foi até o banheiro e aliviou-se.
Quis então voltar
para sua cama, porém... João tinha problemas de memória... Não se lembrava mais
onde era o seu quarto. Entrou no primeiro que viu livre, mas não era ali. Foi
ao segundo, ao terceiro...
Cansou de seguir à
procura e escolheu um deles, aleatoriamente, todos tão iguais. Todo arrumado
para acolher algum enfermo de emergência. Foi até a cama, deitou-se e nem
precisou contar carneirinhos para logo desabar em sono profundo.
Nesse ínterim, lá no quarto onde fora internado, suas
acompanhantes despertavam e, percebendo a cama vazia, tinha início o episódio
que quase levou Odete a precisar ser também ela internada...
Oh, noite!