sábado, 28 de dezembro de 2013

Uma noite no hospital

Esta é a versão final de um texto criado em 2010, creio eu. Os personagens citados existem e os nomes foram "trocados" para não "dar muito na cara".


João tinha oitenta e poucos anos quando se deu isto. Aposentado já há algum tempo, estava casado com Odete há muitos novembros, tendo com ela somente uma filha, Maria, que hoje é casada com Raimundo; estes dois juntos têm 12 filhos, que vêm a ser justamente os netos que João sempre quis ter.
Um dia João amanheceu indisposto. Como está há alguns anos já na “idade do condor” – com dor nas costas, na cabeça, nas pernas etc. –, nem ligou. Tomou um chazinho que Odete lhe preparou e seguiu o dia. À tardinha foram à celebração na comunidade. Lá João sentiu-se mal novamente, o bastante para que o levassem à emergência. Onde lhe deram um Buscopam e o mandaram de volta para casa; disseram-lhe que descansando o mal estar passaria.
Durante a noite, porém, voltou a sentir-se mal e o levaram, desta vez a um hospital. Ficou internado, mesmo a contragosto. A esposa e uma das “netas” o acompanharam no pernoite, pois deveria se submeter a alguns exames logo cedo, pela manhã.
Vencido pelo cansaço e também pela medicação ministrada, João dormiu. Dormiram também as acompanhantes, ainda que sentadas nas cadeiras disponíveis no quarto. Dizem que, lá fora, também as enfermeiras daquela ala caíram nos braços de Morfeu...

Quase amanhecendo, despertam as acompanhantes e... Surpresa: o leito onde deveria estar o João encontra-se vazio. Imaginem o alvoroço que se formou então...

As enfermeiras do andar foram mobilizadas e, logo que despertaram, saíram em busca do doente fujão. Acionaram até o vigia do portão de saída... Disseram que realmente um homem “de idade” havia saído. Mas, as características descritas não coincidiam com as de João. Concluíram, então, que por lá ele não havia passado.
Foram ao andar de baixo, na ala em que João fora internado, mas ninguém o vira ali. Seguiram para o andar de cima, onde também João não fora visto.
Ligaram até para o Raimundo que, mais dormindo que acordado, prometeu dar uma ajuda antes de virar para o outro lado da cama. Afinal, nem amanhecera ainda...

Alguém deu a ideia de procurarem nos demais quartos do mesmo andar em que João fora internado.
Depois de procurarem em meia dúzia de apartamentos, eis que o encontram. Dormindo, tranquilo que nem um bebê. Roncava, até...

Após se refazerem do susto, começaram a tentar explicar a si mesmos o que sucedera naquela madrugada incomum e de tanta movimentação.
Concluíram que a ‘novela’ deveria ter sido – mais ou menos – esta:

Tendo dormido à base dos remédios e ajudado pelo cansaço de toda a movimentação daquele dia, João despertou pela madrugada e sentiu vontade de ir ao banheiro. Levantou-se, calçou as sandálias e, meio dormindo, meio acordado, errou de porta. Em vez de entrar no banheiro, viu-se no corredor vazio. Tudo imerso num silêncio hospitalar!
Deu um passo à frente e a porta fechou-se atrás dele. Decidiu não recuar e seguiu em frente, procurando por outra porta. A primeira estava fechada, seguiu em frente, até que uma se abriu. João entrou, foi até o banheiro e aliviou-se.
Quis então voltar para sua cama, porém... João tinha problemas de memória... Não se lembrava mais onde era o seu quarto. Entrou no primeiro que viu livre, mas não era ali. Foi ao segundo, ao terceiro...
Cansou de seguir à procura e escolheu um deles, aleatoriamente, todos tão iguais. Todo arrumado para acolher algum enfermo de emergência. Foi até a cama, deitou-se e nem precisou contar carneirinhos para logo desabar em sono profundo.
Nesse ínterim, lá no quarto onde fora internado, suas acompanhantes despertavam e, percebendo a cama vazia, tinha início o episódio que quase levou Odete a precisar ser também ela internada...


Oh, noite!

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

de uma filha

Uma semana antes do aniversário da caçula da família comecei a preparar um texto que pretendia postar justamente na data comemorativa.
Daí que houve tantos senões, os fatos atropelaram as expectativas que não cheguei a terminar em tempo hábil e assim fiquei limitado a uma simples mensagem por SMS.
Pois é, nem consegui falar com ela naquele dia.
Pela Goretti eu teria enviado a 'obra' diretamente à destinatária. Mas, como sou teimoso, acabei deixando passar tempo demais e o texto ficou para depois.
Seria revisado, coisa e tal. Até que, antes de sair de férias, enviei-o a mim mesmo por e-mail e hoje, depois de postar o "de eternidade", encontrei o dito cujo pela frente e criei coragem para publicá-lo.
Lá vai...

de uma filha

Anos atrás, num fim de tarde de uma segunda-feira de novembro, depois de um intervalo de dois anos do nascimento do então caçula, veio ao mundo uma menina que se revelaria, desde os primeiros passos, alguém que se impunha.
Ou com a graça natural que possuía ou mesmo pelo gênio (=caráter).
Foi assim que, mesmo sendo a menor dos quatro, disputava espaço até mesmo com o irmão mais velho, não raro colocando-o em situações difíceis para “defender” sua condição de primogênito.

Cresceu com a graça de Deus, experimentando vitórias e fracassos. De menininha virou garota, depois jovem e hoje é mulher. Bela como a mãe e a irmã mais velha.
Teimosa como ela só, insistindo em seus projetos com argumentos ou artimanhas próprias da juventude que traz no rosto, no sorriso, no olhar, no jeito ao mesmo tempo meigo, despojado e decidido.

Seguiu caminhos nunca dantes percorridos, disfarçando no sorriso faceiro o medo que sentia lá no fundo, sempre disposta a fazer história, ocupar o seu lugar no mundo.
Num primeiro momento, talvez pela pujança natural da juventude, sem se importar com o preço a pagar e, por isso, experimentou (alguns) revezes.
Depois, sinal de amadurecimento, pesando os prós e os contras, avaliando os riscos de cada possibilidade, escolhendo suas trilhas não tanto pelo impulso, mas com igual entusiasmo.

Encarou muitos desafios e, na grande maioria, os venceu. Alguns sozinha, outros com ajuda familiar, de amigos; todos com Deus ao seu lado.
Vitoriosa!
Partiu de casa com a bênção dos pais e a proteção da Virgem de Nazaré.
Para novas conquistas, outras vitórias.

Às vezes se esquece que é filha e se intromete em assuntos que não lhe dizem respeito. Haja atritos, sobretudo entre mãe e filha. Que sempre acabam contornados e ficam fazendo parte da trajetória de ambas.
Por vezes sou eu que me esqueço e, conversando pelo telefone, me vem à lembrança a menininha que um dia se assustou quando viu o pai sem barba pela primeira vez e foi se esconder, chorando, debaixo da cama.

Pois é, a menininha ficou para trás, e hoje está prestes a se tornar esposa e, se Deus quiser, futuramente também mãe. Para experimentar de perto o que é ter família, sofrer e ao mesmo tempo ter tantas alegrias.

Como eu tive e tenho...

de eternidade



É difícil falar de eternidade para quem ainda se encontra limitado pelo tempo e pelo espaço, pois o eterno vai para além disso.
Seria como definir eternidade como não sendo nem tempo nem lugar, um hoje sem fim, onde não existe nem um ontem nem um amanhã – tudo é agora!
Só o que podemos é supor, conjeturar, propor hipóteses, pois não há um padrão para a compararmos.
Assim, cada um pode ter sua ideia própria do que viria a ser a eternidade.

Fala-se de um julgamento final. E o imaginamos – só isso podemos fazer, por enquanto – tal como nos relata um trecho do evangelista Mateus.
Cristo ao trono, ao lado de Deus Pai e nós abaixo deles sendo separados entre os que gozarão as delícias do Reino e os que sofrerão os suplícios do inferno.
Imaginamos acena sob o prisma da temporalidade – um dia, um lugar. Porque é isso o que temos como parâmetro, nosso entendimento nos limita quanto ao que de fato se dará. Mesmo porque Jesus, para nos garantir da realidade desse desfecho não poderia descrevê-lo diferentemente para que o pudéssemos entender, ao menos em essência.

Contudo, abstraindo o tempo, podemos supor que, ao deixarmos este mundo – morrendo – já nos encontraríamos na eternidade. Ou seja, no “lugar” fora do tempo, quando tudo é “agora”.
Se assim for entraríamos de imediato na realidade em que todos seriamos – por assim dizer – contemporâneos: desde Adão, Abraão, Davi, Moisés, os profetas, nossos antepassados e nós.
Saindo do tempo nos depararíamos com a cena do julgamento e, por consequência, do veredito a nosso respeito: para onde iremos, enfim.

Esse pensamento possui, como os demais, as suas falhas. Onde ficaria, neste caso, o purgatório? Seria como alternativa ao julgamento?
E aquela imagem, também evangélica, do rico que se dirige ao “Pai Abraão” que está ao lado de Lázaro? Seria mera parábola utilizada por Jesus para “sacudir” os descrentes de sua época histórica?

Independentemente de ser acertada ou não a ideia que me acorreu, o importante é tratar cada dia que nos resta como o momento de parar de fazer bobagens e tomar avida a sério, conscientes de que a eternidade está às portas e não sabemos como será, de fato.
E viver melhor, observando o que temos recebido de orientação, de alerta, com o pensamento iluminado para deixar de seguir vivendo como se fossemos viver para sempre, porque é certo que iremos morrer um dia, mais tarde ou mais cedo.
E quando a morte acontecer é melhor que nos encontre preparados para que, na eternidade, alcancemos a verdadeira felicidade, sem os enganos que hoje procuram nos desviar do caminho que leva até ela.

Nada melhor do que sermos amigos do Rei, viver na sua amizade e na dos seus amigos, para que o futuro que ainda nos resta reserve para nós a verdadeira alegria que o mundo não pode nos oferecer, pois permanece para sempre, como nós nesta vida, limitado ao tempo e ao espaço que não conseguem domar a eternidade.

E digo isso em primeiro lugar a mim mesmo, pois não tenho garantia alguma de que terei lugar dentre os eleitos a estarem ao lado do Senhor na vida do mundo que há de vir e que não terá mais fim.
Afinal, apesar de querer fazer parte desse grupo, sou obrigado a reconhecer a fragilidade da minha fé e a necessidade de perseguir, neste mundo, a santidade, passaporte para viver a eternidade no gozo das delícias do Reino. Pois é, tenho quase nada de santidade, sequer aquele mínimo que – é opinião minha – deveria ser exigido de quem pretende ser habitante do paraíso.

Rezem por mim, talvez nos encontremos lá, onde não existe nem ontem nem amanhã.

Talvez...