Não costumava gastar meu tempo lendo as páginas do noticiário
policial, até que alguém me disse que as lia para examinar as fotos, sobretudo
as de criminosos e suspeitos – eram olhares perdidos, rostos inexpressivos ou
mesmo sórdidos, onde se podia perceber claramente o retrato do ser humano sem
Deus. Passei a encarar de modo diferente o caderno de “Polícia”, constatando
ser verdadeira a afirmação de quem me convencera.
Isso para explicar porque me chamou a atenção a leitura de
duas matérias desse caderno. A primeira delas sobre o caso da menina Isabella
Nardoni, que teria sido assassinada pelo próprio pai, com ajuda da madrasta. A
outra sobre o menino de 13 anos que teria matado sua família – quatro pessoas
mortas com tiros na cabeça. O primeiro crime ocorreu em 2008 e comoveu boa
parte do País; o segundo na semana passada. Ambos em São Paulo, a maior cidade
do Brasil.
No primeiro caso teria havido um “linchamento moral” dos
acusados, com o casal sendo condenado pela opinião pública antes mesmo do
veredito do júri. Isso porque um exame realizado nos Estados Unidos e
recentemente divulgado alterava o raciocínio utilizado para a condenação do
casal à época e que poderá, segundo a defesa, causar uma reviravolta no caso
que já se presumia concluído.
No outro caso, a reportagem revela que o menino supostamente
assassino de seus familiares teria aprendido a atirar com o próprio pai, que
era integrante da ROTA, a patrulha de choque da PM paulista.
Registro essas reportagens sem tomar partido, apenas para
ilustrar o pensamento que, parece-me, consta de quase todas as constituições de
países livres do mundo: “Todos são inocentes até que se prove o contrário”. Se
não é exatamente assim, é algo parecido.
Na prática, porém, se vê que não é bem dessa forma que
acontece. O casal do primeiro evento já estava condenado antes mesmo de ser
julgado. A opinião pública já havia decidido assim. Nas cadeias do Brasil se
encontram pessoas, homens e mulheres que, por não disporem de recursos para
bancar advogados capazes de provar sua inocência, apodrecem no cárcere. Boa
parte delas foi condenada da mesma forma que aquele casal.
Não entro no mérito do caso Nardoni, pois não os estou
defendendo, mas manifesto meu repúdio pelo pré-julgamento, pela condenação
antecipada.
É o que acontece em quase todas as esferas da vida. O exemplo
que utilizei é apenas isso – um exemplo. Na vida afora agimos da mesma forma e,
não poucas vezes, nem nos apercebemos disso, correndo o risco de execrar
pessoas sem qualquer embasamento concreto.
Fazemos uma imagem de alguém, um julgamento segundo nossos
conceitos particulares e os ‘condenados’ é que precisam provar que não são
aquilo que deles pensávamos. Quantos equívocos de consequências drásticas
nascem disso? Essas pessoas são condenadas inapelavelmente pelo nosso ‘júri
interior’, que não raro se recusa rever o ‘processo’, mantendo irreversível o
resultado inicial.
O caso do menino que fora ensinado pelo pai a atirar – se foi
ele mesmo quem assassinou sua família e depois cometeu suicídio – me leva a
refletir na origem do problema, justamente a família.
Tanta coisa boa a ensinar a um garoto e o pai se ocupa de
fazê-lo um atirador! Talvez sonhasse em vê-lo herdando sua profissão, ou
tivesse a intenção de prepará-lo para se defender de criminosos... Talvez!
Além disso, uma de suas diversões era jogar games de
violência, que muitos pais permitem sob a desculpa de servirem para que os
pequenos extravasem no mundo virtual o que não lhes é permitido fazer no mundo
real.
Esquecem, contudo, que para que assim ocorra, a pessoa
precisa ter exata noção dos ‘mundos’ e também uma consciência formada que lhe
sirva de guia e controle os seus impulsos. Ora, se existem adultos que
confundem não poucas vezes os limites, quanto mais um adolescente!
Ambos os casos – o julgamento sem bases concretas e educação
familiar (ou a falta dela) – são protótipos de uma realidade triste de como se
encontra o mundo em que vivemos. Amanhã não se falará mais disso, pois não renderão
manchetes para jornais e revistas, serão lançados no limbo do esquecimento pela
mídia e pela opinião pública.
As pessoas que foram afetadas por todo esse processo, porém,
os sobreviventes, terão que carregar consigo, possivelmente pelo resto da existência,
o estigma, as cicatrizes na alma. Que talvez o tempo amenize, venha até a
curar. Talvez!
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